Gambiarras - O jeitinho brasileiro de resolver as coisas
Certa vez um antigo amigo de
profissão comentou que estava passando por um problema de tensão elétrica em
uma escola técnica particular do RJ onde trabalhava. A escola funcionava de
segunda a sexta no horário de 07:00 às 22:00 hs e algumas vezes discutíamos o
problema.
Com o tempo, devido a pressão
sofrida pelos seus chefes para solucionar o problema, ele pediu uma ajuda aos
amigos para fazer uma checagem no local.
Nas conversas, sempre comentava
que o problema era esporádico, algumas vezes acontecia 4 vezes em um mês, no
outro acontecia 3 vezes, mas não tinha um histórico detalhado. Do meu ponto de
vista, você realmente só entende a causa quando vai fisicamente ao lugar
realmente passar pela situação.
O problema principal era que
este problema afetava diretamente o funcionamento dos equipamentos elétricos,
isto é, computadores, impressoras, rede etc... . O comportamento era paralisar alguns
equipamentos da operação do local, como se travasse, no final era necessário
desligar e ligar novamente o equipamento. Em outros casos, alguns equipamentos
foram danificados e até precisaram ser substituídos pelo que comentou.
Combinamos era que na próxima vez
em que a situação ocorresse, era para nos avisar diretamente, que eu iria para
o local o mais breve o possível com outro conhecido.
Recebemos o aviso, mas no dia
estávamos bem atarefados, mas mesmo assim fui ao local. Mesmo chegando 2 horas
após o problema ter ocorrido, a situação havia sido normalizada e o problema
desaparecido.
Discutimos com a equipe do local.
Chegamos a conclusão que para começarmos a trabalhar na causa do problema, era necessário
compararmos os históricos antigos, emails e as conversas com os técnicos. Logo
depois começamos a elaborar um checklist.
O que estudamos inicialmente:
- Estrutura elétrica e aterramento do local;
- Nobreaks ligados ao circuito elétrico (UPS);
- Levantamento da planta baixa elétrica do
prédio e estudo dos pontos elétricos;
- Monitorar a taxa de variação elétrica do
prédios;
- Comparativo de consumo de energia elétrica
durante os meses do problema para verificar se houve aumento de consumo de
energia;
- Entender se a concessionária elétrica
responsável (neste caso a Light) fizesse uma checagem da estrutura
elétrica próxima ao local da escola e o relógio elétrico da escola.
Dias posteriores a escola
contratou um técnico em elétrica para visitar a escola e fazer algumas análises
com relação à concessionária e outros testes no local.
O resultado é que o cabeamento
elétrico local estava dentro do tempo de vida de 10 anos. Porém o técnico
queria também analisar alguns equipamentos. Infelizmente não conseguimos fazer
alguma verificação nos equipamentos para não indisponibilizar o funcionamento
da escola (operação).
Uma coisa que nos preocupou
foi à complexidade e a quantidade de pessoas envolvidas no problema aumentou.
Resultado: Em um aspecto positivo isso aumenta a quantidade de idéias para a
solução do problema, por outro lado isso aumentou a complexidade e tempo na
busca da causa do problema. Você precisa executar as atividades atuais e as
novas atividades que foram geradas com as novas idéias em busca da solução do
problema.
2a Etapa - Testes realizados fora do expediente:
Com o técnico em elétrica e
alguns analistas visitamos o local no final de semana e fizemos outras análises,
resultando nos testes abaixo:
- Elaborar um relatório e checklist de todas as
atividades executadas no dia para mantermos um controle do que foi
realizado.
- Executar um bypass no Nobreak (UPS) para
verificar se havia algo de errado na parte elétrica do local;
- Testar o conjunto de baterias do UPS
separadamente para verificar se estavam em pleno funcionamento e sem
problemas;
- Análise dos disjuntores e o projeto elétrico
do prédio, pontos e equipamentos ligados a este.
- Analisar todos os equipamentos elétricos de
uma forma geral, ligados a esta rede elétrica e fazer um cálculo de tensão
elétrica.
Resultado - A Causa do Problema
Muitos dias de análises e comparações não nos fizeram chegar
à causa raiz do problema, a descoberta da causa foi algo inesperado.
Realmente é difícil para mim até hoje acreditar no que foi
descoberto. Há um ano atrás, o encarregado de manutenção recebeu a solicitação
de colocar uma lâmpada na saída de uma das janelas laterais do prédio. Como
sofreu vários pedidos e pressões da administração, resolveu buscar em uma loja
de material de construção na rua comprar um plafonier simples e puxou uma extensão elétrica a partir do teto rebaixado de uma lâmpada. Acabou passando
esta fiação pela janela que era uma janela de ferro. O resultado é que o fato
de abrir e fechar dessa janela de ferro descascava e amassava e descascava
fiação resultando futuramente na causa de um curto, toda vez que a janela era
aberta. O mais estranho nessa história me parece ser esse campo elétrico da
janela, combinada as lâmpadas fluorescentes da sala. O engraçado era até o
barulho de ruído fraco quando você falava no celular ou aquela interferência
forte no momento que colocamos um rádio sintonizado em AM no local, no momento em
que fizemos a simulação proposital. E porque não foi descoberto isso antes?? O
cabeamento elétrico foi pintado da mesma cor que a janela por este encarregado,
dificultando a visão deste cabo de dentro da sala, mas fora do prédio,
observou-se que não havia uma explicação clara da origem desta extensão. Com
isso descobriu-se a gambiarra pelo lado de fora da sala. O correto seria passar
esta fiação por cima do teto ou pela parede quebrando a parede adequadamente e usando
um duto ou uma tubulação PVC para fazer esta passagem da fiação elétrica.
Para forçar a execução do
problema, esperamos a aula terminar no local para abrir a janela e ligar esta
luz.
Resultado: Abriu-se a janela e
ocorreu o problema na sala com a oscilação das lâmpadas fluorescentes. Logo
depois ligou-se a luz de saída da janela lateral do prédio e o curto elétrico
ocorria na hora. Ah sim... detalhe... de dia a lâmpada da sala era ligada e
ocorria também o curto circuito, mas era um curso de inglês que era feito
esporadicamente 1 a
2 vezes na semana.
Essa janela dificilmente era
aberta, só esporadicamente para limpeza ou alguma atividade dentro da sala
durante o dia, por isso a dificuldade da detecção do problema.
Como o clima já estava bem
tenso a foto não foi tirada. Meu amigo já estava bem estressado quando
presenciou a questão e abandonou o local. Em alguns livros e estudos de causas
de problemas, um problema grave é um agravo de causas pequenas ou erros de
controles de pequenos processos do dia a dia. Admito que quanto mais trabalho
nesta área, mais sou surpreendido. O meu chute era para algum equipamento
elétrico no local com falha, uma bola totalmente para fora.
A pergunta que me persegue até
hoje: Porque o disjuntor referente ao local não desarmou devido ao curto criado
na abertura da janela? Lembrando que estes haviam sido substituídos, segundo a
observação do técnico de elétrica. Ainda se discute este assunto até hoje.
Lições Aprendidas:
1 - Sistemas de Gestão de Serviços foram criados por este motivo: Toda e qualquer
solicitação de serviço precisa ser registrada em um sistema de gestão
informatizado, a fim de evitar que problemas futuros apareçam. Isso deve servir
para todos os profissionais que prestam serviços. Mesmo que o técnico não tenha
acesso ao sistema, algum responsável deve ajudar a registrar esta solicitação.
Inclusive quando a atividade for concluída, informar como o serviço realizado,
com a data e os responsáveis pela execução do serviço. Alguns ainda pensam que os criadores destes sistemas simplesmente os criaram por lazer, mas estavam errados, eles são essenciais para as empresas que dependem de serviços, seja qual for a modalidade de serviço.
2 - Tenha um responsável pelo acompanhamento e reporte do problema: Atividades por mais
simples que sejam precisam ser supervisionadas e cuidadosamente planejadas
junto à equipe responsável. No caso acima, o acompanhamento de um responsável com
um conhecimento analítico elétrico seria a melhor solução, mesmo que não tenha, uma pessoa terá de ser nomeada através do processo "eu te batizo o responsável por acompanhar esta tarefa".
3 - Tenha uma forma de documentar as informações sobre o problema: Sempre armazene as
informações (sistemas de gestão de serviços, relatórios, planilhas, checklists ou outro modelo de controle) a
respeito do problema ocorrido para garantir com que os estudos de causa referentes
ao mesmo problema avancem periodicamente e sejam solucionados de forma mais
rápida e eficiente.
4 - Apresente uma solução de contorno: Por mais difícil que seja
e se não sabe quanto tempo levará para resolver o problema, tenha um plano de
uma solução de contorno enquanto analisa a causa principal. Isso ajuda a equipe
a conseguir trabalhar sem ser interrompido pelos responsáveis.
5 - Troca de idéias e
informações (brainstorm): Saiba praticar "escuta ativa", isto é,
ouvir todos os membros da equipe para verificar seus pontos de vista e suas idéias,
muitas delas podem ser a saída para a solução do problema. A comunicação entre
a equipe deve fluir sempre.
6 - Comunicação: Tenha sempre
um plano de comunicação para avisar os responsáveis sobre o andamento das
atividades, isso mostra o progresso da equipe, os passos executados e fornece um
feedback/retorno para os gestores. Mesmo porque eles também são cobrados por
seus superiores sobre o status das atividades. Inclusive a comunicação precisa
fluir entre a equipe durante a atividade.
Estudos e melhoramentos a partir da análise das lições aprendidas:
- Teste
de Falha (queda de luz): Teste de
indisponibilidade da concessionária elétrica, para verificar se a fonte de
energia ininterrupta, isto é, o dispositivo UPS (Nobreak) está alimentando
adequadamente os dispositivos de TI do local dentro do período aceitável;
- Realizar um Plano de Comunicação para todos os funcionários: Muitos funcionários estavam cientes do que estava ocorrendo. Todos os funcionários foram levados para o auditório para apresentá-los a causa raiz do problema e informá-los que todas as solicitações de serviço agora terão de ser realizadas através da abertura de um ticket (chamado). Desta forma você tem um registro de atividade e isso facilita a busca de mudanças ocorridas durante um período.
- Planta Elétrica: Foi atualizada a documentação da planta elétrica e atualização de alguns pontos elétricos;
- Troca de equipamentos elétricos: Revisada a questão do aterramento do local, todas as tomadas foram trocadas por tomadas de três pinos e substituição dos disjuntores.
- Estudos Elétricos: Cálculo exato de tensão e substituição de disjuntores devido ao crescimento de consumo elétrico (pontos elétricos, computadores e outros equipamentos novos);
- Nobreak (UPS): Substituição das antigas baterias do dispositivo UPS;
- Aquisição de estabilizador: Como a ideia do colégio era crescer mais devido ao plano de criação de novos cursos (mais salas de aula, computadores etc...), a sugestão seria a de inclusão de um estabilizador mais profissional na entrada do CPD (de qualidade e porte para atender esta demanda). Se o modelo de negócio precisar garantir a criticidade da operação, um estabilizador de porte pode incorporar as funções de um filtro de linha garantindo a proteção dos dispositivos conectados a rede elétrica. O estabilizador é um equipamento que possui o objetivo de proteger aparelhos eletrônicos das variações de tensão que recebe da rede elétrica. Portanto, as tomadas devem trazer energia estabilizada, diferente da energia que vem da rua, exposta a variações. Em alguns testes, foram pegos taxas de variação de energia no circuito elétrico.
Um ponto a ressaltar é que como “Brasileiros“ algumas vezes precisamos repensar se o nosso jeitinho brasileiro de
resolver as coisas é realmente adequado a determinadas situações. Pois isso acaba sendo um elemento que pode nos
fazer pagar um preço alto mais a frente, justamente como no exemplo que mostrei
acima. Não venho aqui criticar o encarregado de manutenção que realizou o
serviço, mas o fato de que os responsáveis envolvidos discutam como apresentar uma
forma de trabalho diferenciada que apresente resultados significativos, isso é um
compromisso de todos (gestores, diretores, supervisores e funcionários). Como algumas
vezes comento, o brasileiro é excelente no requisito de criatividade, mas é
péssimo em planejamento e execução. Muita gente era fã da série do MacGyver
(Profissão Perigo) e até se inspiraram neste programa para fazer esses fantásticos
gatilhos, mas cuidado com os exageros, pois na TV tudo é mais fácil, mas não vamos esquecer que a vida
real é bem mais complicada.